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24/05/04

«Um olhar do Norte»

«Do nosso Porto

HÁ muitas semelhanças entre Barcelona e o Porto. Barcelona é e foi sempre ciosa da autonomia, da sua identidade e carácter de cidade moldada pelo trabalho e comércio, pela cultura e abertura às ideias e ao Mundo, pelo espírito inovador e empreendedor das suas organizações, pela coragem e visão políticas dos seus alcaides, pelo fervor do bairrismo que a anima e não deixa fechar sobre si, pela identificação entusiasta com as suas instituições. Barcelona revê-se no Barça, o grande colosso que é muito mais que um clube de futebol, porquanto é o caldeirão congregador das paixões e emoções, dos sonhos e utopias, das angústias e frustrações, das esperanças e realizações dos catalães. O Barça é a alma de Barcelona, porque a alma é aquilo que temos e sentimos dentro de nós, consciente ou adormecido, vivo ou abafado. E aquilo que se revela, acorda e levanta no estádio do Barça e em torno dele é o estandarte dos sentimentos que perfazem a arquitectura interior da vontade, das causas, ideais e fins que movem a Catalunha. Por isso o Barça é o estado de alma e performance de Barcelona, a forma e o conteúdo da sua ideologia, a expressão dos seus motivos e razões, inconformismos e insubmissões, o teor dos seus anseios e valores, o corpo e a voz do seu protesto, o cântico da sua raiva, a cor da sua revolta. Quer isto dizer que em Barcelona converge tudo para o Barça? Não, mas é quase tudo; só não converge aquilo que não é realmente catalão ou que trai a idiossincrasia da Catalunha. O Porto também é assim, como cidade e símbolo natural de uma região. E é igualmente assim aquilo que alimenta e sustenta o FCP. Mas também há uma enorme e substancial diferença. Nós não advogamos autonomia política, nem o podíamos fazer, já que somos portadores da memória histórica da construção da realidade nacional. Foi daqui que partiram cavaleiros e cruzados para alargar para sul os limites do reino e conquistar Lisboa aos mouros. Nasceu aqui o Infante D. Henrique. Foi nas águas do Douro que se juntou e foi municiada a armada que partiu à conquista de Ceuta e deu início à grande aventura dos descobrimentos. Foi em Trás-os-Montes e Alto Douro que nasceram os soldados e missionários que colonizaram o Extremo Oriente. De cá era Pêro Vaz de Caminha. Não eram de cá os fidalgos que entregaram Portugal aos Filipes. Foi pela barra do Douro que saíram as famílias minhotas e transmontanas que empreenderam a colonização do Brasil. A Igreja do Porto não consta nos anais do reaccionarismo. Não se acenderam por estas bandas as fogueiras da Inquisição nem tiveram vida fácil as tropas de Napoleão. Foi nos grémios do Porto que fervilharam as ideias das revoluções liberais, etc. Eis exemplos que atestam que o plasma matricial da pátria jorra do norte para o sul. E que portanto a nossa causa é a de um inquebrantável patriotismo, genuinamente assumido pelo mérito e pelo esforço, pelos ditos e pelos feitos, pelas palavras e pelos gestos, sem vassalagens a potentados e tiranetes de ocasião, venham eles de onde vierem. O Porto é a consciência de Portugal, limpa e austera. Uma cidade de instituições ciosas dos seus pergaminhos, da sua criatividade e ousadia, das suas pontes para além dela; e que por isso não consente tutelas, desmandos, autoritarismos e controlismos dos medíocres, tortos e vesgos. Um grito que ecoa na distância. É com o nome de Porto — do clube, do vinho, da universidade —que situamos Portugal no mapa do Mundo. É tudo isto que desagua no FCP, juntando no caudal da filiação e amor clubista a mesma dose de sentimentos e valores que vemos melhor à distância no Barça. Por isso o FCP não é só o maior clube da cidade; é um dos grandes clubes do Mundo, porque tem alma, porque serve uma causa que transcende os limites do estádio, porque subverte um estado de conformismo, modorra e sonolência, porque inspira as outras instituições, porque ensina que ganhar é cumprir o destino e perder é traí-lo e que o futebol não é um espaço de adormecimento mas um local de vivificação, consciencialização, assunção, exaltação e reivindicação de princípios e direitos de cidadania. Há no Mundo clubes com mais dinheiro, que pagam mais a treinadores e jogadores, mas são bem poucos os iguais a ele no ideário, onde as alegrias pelo êxito desportivo são ainda maiores pelas razões e memórias cívicas que nele moram. Eis a razão que o leva a Gelsenkirchen e ao topo do ranking da CNN. Vamos ao Estádio do Dragão não apenas para ver futebol. Vamos lá porque nele cantamos a alma, a nossa interioridade que nos atira para além dela. E também por razões políticas. O dr. Pacheco e o dr. Rio chamarão a isto promiscuidade. Mas ambos estão de passagem. O primeiro murchará quando passarem de moda os debates radiofónicos e televisivos feitos com políticos semelhantes a paus para toda a colher; terá então tempo para leituras sobre o fenómeno desportivo e quem sabe se não mudará de opinião. O segundo fenecerá quando a corte perceber que é um acto de estupidez atirar pedras ao FCP e quando o Público, o JN e o Expresso se cansarem de encobrir que ele pouco mais sabe fazer.»

in "A Bola", por Jorge Olímpio Bento

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