Estranho acontecimento em dia de Aleluia

Bateram à porta de mansinho. Fiquei à escuta : será gente, será chuva, será vento ? Fui ver : não estava ninguém. À soleira da porta, uma gaveta com ½ m de comprimento, toda tapada por um xaile. Julguei que se tratava de uma brincadeira de mau gosto. Fui ver. Com a experiência colhida - sou um espectador atento do CSI - calcei as minhas luvas de borracha, e coscuvilhei minuciosamente o conteúdo da gaveta. Parecia não ter nada : apenas pedaços de esferovite para protecção. Mas, depois de procura cuidadosa, lá bem no fundo, muito escondidinho, encontrei um dossier de capas vermelhas, com um desenho em alto relevo de uma águia a degolar uma presa indefesa. Fiquei estupefacto. Fui ver. Abri. Fui ler.

Eis o seu conteúdo :

"Sei que é um elemento activo do Fórum do Portal dos Dragões e resolvi enviar-lhe este dossier que contém cópia de uma escuta telefónica gravada, no dia da Aleluia, de uma conversa travada entre o Cílio B e o Sr. Presidente. É um documento muito interessante e que merece divulgação. Não o faço pessoalmente, porque tenho medo. Há espiões por todo o lado. Você sabe do que eu estou falar. Escolhi-o a si, só porque me deu mais jeito. Cumpra a sua obrigação. Ouviu !"

Esta pequena nota, não assinada, capeava o documento com a gravação da tal escuta telefónica. Li e reli e entendi divulgá-la no Fórum, conforme me tinha sido "exigido". Ainda não decidi, se enviarei cópias para a Liga, a FPF, MP, SIC, TVI e RTP. Provavelmente, não. Sou corajoso e receio as represálias.

Então aí vai o conteúdo da dita escuta telefónica :

Cílio B : Como está Presidente ? Daqui fala o Cílio B, como estava combinado .

Presidente : Cílio B, isso é nome de vitamina. Não sei quem é. Apresente-se como deve ser, homem !

Cílio B : É o meu nick name, devidamente acertado com o JV : sou o tal que é "caseiro". Já está a identificar-me ?

Presidente : Oh pá, vá-se nicar você. Não sabe com quem está falar. Olhe que não sou politicamente correcto e o nome do (meu) caseiro de serviço é Proença, que muito prezo. Deixe-se de niquices e vá direito ao assunto, sem medo ;

Cílio B : Não é medo. É prudência. Sou de Setúbal, e vou trabalhar na próxima 2ª. Feira em Aveiro. Está a topar ?

Presidente : Ah, porque não disse logo. O JV com aquela maldita pronúncia do Norte, tinha-me dito que a senha seria : Cílio V, e eu estava a desconversar. Podia ser um infiltrado. Todo o cuidado é pouco. Percebe ?

Cílio B : Claro, tem toda a razão. Gargantas fundas são gostosas, mas um perigo. Uma vez que já me identificou, como quer o trabalhinho : hard ou soft ?

Presidente : Desse tipo não quero. A minha rapaziada não fala francês. Prefiro um modelo bem português ;

Cílio B : OK, defina o que é um modelo bem português ;

Presidente : É ríspido ou suave, grosseiro ou macio, marca tudo ou nada, vê demais ou de menos, castiga com dureza ou moleza, conforme a casa que o artista representa e na dúvida favorece (só) quem deve . Ouviu ? Percebeu ? ;

Cílio B : Acho que percebi. E estou de acordo, com o programa. Mas, vou fazê-lo com inteligência, pois os delegados são muitos rigorosos ;

Presidente : Oh Cílio, com inteligência ? Você é parvo ou anda a treinar. Como diria o Osébio o que é preciso (mesmo) é muita lata e estupidez natural. O resto vem por acréscimo. Garanto-lhe que a bitola nunca será inferior a oito. Não tenha dúvidas. Está tudo conversado.

Cílio B : Oh Presidente, não aceito menos que 8,6. O meu prestígio, assim o exige ;

Presidente : Vai ser difícil e não me venha com exigências. Resolvi o doping, o AD, tratei dos vândalos, e trato de si, se não trabalhar como deve ser ;

Cílio B : Oh Presidente, não me ameace. Tenho a faca e o queijo na mão. E não cedo. Quero um proveito de acordo com a responsabilidade do trabalho ;

Presidente : Ok, ok…. Deixe lá isso. Não fique enfunado. E não faça exigências. Conhece muito bem os meus recursos e se não for pela via directa, trato do assunto de uma forma que não vai gostar;

Cílio B : Comprometi-me a fazer o trabalho, vou fazê-lo com a competência habitual e não vou falhar. Só que há contingências que não posso dominar ;

Presidente : Isso compreendo. Há mar e mar. Há ir e voltar. Há chegar e vencer. Vencer, ouviu ? O prestígio da instituição não pode ser beliscado, mas tem de trabalhar muito e bem em prol da causa e sem medo ;

Cílio B : Não tenho medo de nada, e respeito-o muito presidente, pela excelente obra que está a fazer, a bem da instituição ;

Presidente : Vamos acabar com a conversa que vai longa e tenho muito que fazer. Os entretantos vão ser tratados pelo "homem" do costume. Dar-lhe-á as dicas que forem necessárias, e os finalmente terá que ser o Cílio a resolver no decurso do trabalho a realizar ;

Cílio B : OK, tudo numa boa. O vento está de feição, e não há nortada que nos vire.

Presidente : Bem, até à próxima. Não perca esta oportunidade. Como diz o Fidel (aprendi com o Jerónimo de Sousa) : "revolução ou morte, a vitória é certa".

Cílio B : Também, está bem. Mas, cá para mim, já que estamos em momento cultural, sempre lhe cito o grande Charles de Gaulle : "tu por moi viens de charrette" !

Presidente : Gostei. Boa, até à próxima. Bom trabalho.

Cílio B : Au revoir, monsieur le President.

Presidente : Oh pá, irrita-me esses estrangeirismos. Fala, assim, com o Figo. Bolas. Que estúpido"

Desligou o telefone e não se ouviu mais nada.

Não revejo nada de anormal neste telefonema e acho que em Aveiro nada se passou de estranho. Não li nada na CS que testemunhasse alguma derrocada ou no mínimo alguma vertigem em função do estranho fenómeno ocorrido : Aveiro viveu durante 96 minutos em perigoso plano inclinado, que não foi objecto de tratamento noticioso. Duplamente estranho. Mas, é assim em Portugal e ninguém leva a mal, a não ser os do costume.

Creio ter cumprido o prometido. Nada mais me é devido.
Mário Faria